As impressões de Chico Bosco sobre “A boba da corte”, de Tati Bernardi
“A escrita de Tati Bernardi tem verve, ritmo”, diz o filósofo e escritor

A boba da corte, de Tati Bernardi, me parece ser o fruto maduro de uma escrita que já se desenvolve há muitos anos em roteiros para audiovisual e crônicas de jornal — e se expande ainda em podcasts e outros modos da fala. Mas, sem prejuízo da qualidade das demais investidas — até porque a Tati tem uma capacidade notável de fazer as coisas acontecerem, no duplo sentido da palavra: de realizá-las, mas também de torná-las vistas, ouvidas, compartilhadas, discutidas —, me parece que o cerne do seu trabalho é a escrita. E a escrita-escrita, o texto para si, a literatura — que é onde sua linguagem atinge a maior concentração de sentido, para usar a famosa definição de poesia de Ezra Pound.
Bem, a Tati não é poeta, stricto sensu, mas é uma cronista cuja linguagem a aproxima da poesia no que diz respeito à proporção entre quantidade de palavras e intensidade ou precisão das formulações. Você abre A boba da corte aleatoriamente, em qualquer página, e a chance de se deparar com um parágrafo que apenas cumpre a função de estruturar a narrativa ou sinalizar para qualquer outra coisa é baixa, para não dizer nula. Nele, cada frase é uma sentença. A falsa tautologia é proposital, claro: por sentença não me refiro a uma unidade de comunicação, mas a um juízo, geralmente sarcástico, incontornável, e com uma azeitona de humor enfiada num palito.
Com efeito, A boba da corte é uma espécie de Bildungsroman corrosivo, que tem como objeto a hipocrisia e os outros vícios de determinados grupos sociais deste Brasil que, entra século, sai século, se moderniza sem superar o atraso. Portanto, não exatamente um romance de formação, mas uma crônica da forma cínica ou autocomplacente que assumem os outros — os progressistas herdeiros, sobretudo — e eventualmente a própria narradora/autora — na atual era da hipocondria moral, como definiram nosso tempo os ensaístas Natalia Carillo e Pau Luque em ensaio homônimo. A escrita de Tati Bernardi tem verve, ritmo, witz (para brincar aqui com o seu gosto pela psicanálise freudiana) e uma tal percuciência nas formulações dos seus sociografemas e biografemas — fragmentos de vida e comportamento social, sempre articulados — que convidam a situá-la na tradição dos grandes cronistas brasileiros.

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