0 Carrinho
Relacionados
07/02/2025

Duas perguntas para Jacqueline Rose

A autora de Sobre a violência e sobre a violência contra as mulheres e A peste é um dos principais nomes do feminismo inglês  

autora jacqueline rose

Escrever livros de não ficção sobre grandes e fundamentais problemas da humanidade é um ato de fé ou de desespero?

Ambos ou nenhum dos dois. A fé é muito confiante, já o desespero cede demais à escuridão. A epígrafe de A peste: viver a morte em nosso tempo traz esta frase de Simone Weil: “Não estamos desesperançosos. O simples fato de que existimos, de que concebemos e queremos outra coisa além do que existe, constitui para nós uma razão de ter esperança”. Esse trecho está no livro Opressão e liberdade, que ela escreveu em 1933, o ano em que Hitler foi nomeado chanceler. Então, a liberdade consiste no trabalho e em estar presente – em um nível de consciência diferente do que parece ser dominante. É por isso que o pensamento crítico se torna tão vital em tempos como os nossos, de autocracia desenfreada, ditadura e fascismo incipiente. E é também tão contestado em instituições de ensino em todo o mundo. A psicanálise também é crucial, já que cria um espaço de liberdade para o pensamento aberrante e inconsciente. 

Quais caminhos e soluções você vê para o combate à violência contra as mulheres?

Essa, com certeza, é uma das perguntas mais difíceis. Se você ler a psicanalista Melanie Klein, ela escreve sobre como a violência social contra as mulheres é comparada à violência entre os homens (que é meio que esperada que eles pratiquem), já que a primeira é precipitada por uma identificação/proximidade anterior ao corpo da mãe, que tem que ser invalidado para que um menino se torne um “homem”. É uma estrutura letal que abriga e provoca ataques de homens contra mulheres sempre que eles sentem que seu poder está ameaçado – o que, claro, é sempre o caso, já que a ideia de que alguém finalmente possui poder é fraudulenta. Julia Kristeva escreve sobre o cerne fóbico da humanidade, o medo da mortalidade e a fragilidade do mundo. Torna-se, então, uma obrigação das mulheres, principalmente das mães, proteger os homens desse conhecimento. É por isso que a pandemia provocou tamanho aumento no feminicídio – porque as mulheres estavam falhando em sua obrigação de tornar o mundo um lugar seguro para os homens, uma tarefa que ninguém pode cumprir. 

O que estou dizendo aqui é que você não pode endereçar esse problema sem endereçar sua dimensão inconsciente, que é a coisa mais difícil – mas não impossível – de se fazer. Ao mesmo tempo, a maior visibilidade da violência masculina é ter um potencial político definitivo. Não só o movimento #MeToo foi crucial, mas também momentos como o julgamento de Dominique Pelicot e a imensa coragem de Gisèle Pelicot de torná-lo público para que então – em palavras que eu espero que ressoem por muito tempo e façam a diferença – “a vergonha mude de lado”. 

Então, uma resposta mais simples para a sua pergunta é que não existe “primeiro passo”. Temos que seguir adiante concomitantemente em diferentes fronts contra a violência às mulheres. Voltando à sua pergunta sobre esperança e desespero, o ativismo em volta dessa questão, a manifestação cultural em relação às mulheres e em relação ao horror em Gaza – que deve ser crucialmente nomeado – são sempre motivos de esperança. Assim, tanto a ficção quanto a não ficção são essenciais.

Relacionados
Gabriela Biló

Gabriela Biló: um relato pessoal sobre a pandemia de covid-19

Uma das minhas formas de lidar com a minha própria mortalidade sempre foi a fotografia. Quando peguei covid-19, em maio de 2021, antes da vacina, não foi diferente. Nós, fotojornalistas, temos uma ideia de que somos invencíveis, sempre olhando as coisas através de uma lente, quase como se elas não fossem reais. Ao mesmo tempo, …

[saiba mais]
entrevistas na íntegra

Três perguntas para Oscar Nakasato

Em Ojiichan você retrata um professor septuagenário. Como construir um personagem com idade avançada sem recorrer aos clichês de sempre? Quando crio um personagem, sempre procuro escapar dessa armadilha que é o “clichê”, o que não é difícil se pensamos na diversidade de pessoas que existem dentro de um determinado perfil amplo. Eu olho ao …

[saiba mais]
Gabriela Biló

Gabriela Biló: um relato pessoal sobre a pandemia de covid-19

Uma das minhas formas de lidar com a minha própria mortalidade sempre foi a fotografia. Quando peguei covid-19, em maio de 2021, antes da vacina, não foi diferente. Nós, fotojornalistas, temos uma ideia de que somos invencíveis, sempre olhando as coisas através de uma lente, quase como se elas não fossem reais. Ao mesmo tempo, …

[saiba mais]
entrevistas na íntegra

Três perguntas para Oscar Nakasato

Em Ojiichan você retrata um professor septuagenário. Como construir um personagem com idade avançada sem recorrer aos clichês de sempre? Quando crio um personagem, sempre procuro escapar dessa armadilha que é o “clichê”, o que não é difícil se pensamos na diversidade de pessoas que existem dentro de um determinado perfil amplo. Eu olho ao …

[saiba mais]
Navegando no site, estes cookies coletarão dados pessoais indiretos. Para saber mais, leia nossa política de privacidade.