Walter Salles escreve sobre “Judoca”
Leia na íntegra o texto de orelha do livro de Thierry Frémaux
O judô e o cinema surgiram quase simultaneamente, no fim do século 19 […], alastraram-se como um rastro de pólvora e […] ambos nos dizem quem somos e quem são os outros”, escreve Thierry Frémaux. Neste relato de formação, o diretor do Instituto Lumière e do Festival de Cannes entremeia suas memórias de judoca faixa preta às histórias de cineastas e filmes que gravitaram ao redor de sua vida de amante e pesquisador de cinema.
Judoca é um mergulho na vida e práxis do inventor do judô, o sensei Jigoro Kano, filtrado pelos olhos do jovem da periferia de Lyon que foi Frémaux. Frágil e impossibilitado de lutar boxe, Kano inventou uma arte marcial em que a queda não é uma falha, e sim uma tática. É todo um viés de olhar o mundo e de se relacionar com ele que aflora nestas páginas. Em meio a lembranças e histórias sobre judô, Frémaux revisita a trajetória de cineastas que, de Kenji Mizoguchi a Jean-Luc Godard, também propuseram formas originais de refletir sobre o mundo.
Tanto o judô quanto o cinema são atravessados por questões éticas e estéticas. Por uma busca pela essência, pelo movimento necessário, preciso. Um modo distinto de entender a relação entre tempo e espaço. E, também, uma compreensão da vulnerabilidade, da natureza do medo, daquilo que nos humaniza e nos faz mais resilientes — traços que o autor revela com rara singularidade e pertinência.
É esse currículo de judoca e cinéfilo que possibilita a Frémaux apreciar Sugata Sanshiro/ A saga do judô, o primeiro filme de Akira Kurosawa, com o mesmo entusiasmo que admira desportistas como Muhammad Ali e Diego Maradona. Em Judoca, o autor se alia aos pensadores da cultura cujos interesses transcenderam suas formas imediatas de expressão.
“Tudo que sei sobre a moral e as obrigações dos homens, eu devo ao futebol”, disse Albert Camus. Haruki Murakami conta em Do que eu falo quando falo de corrida como ter se tornado maratonista lhe permitiu atingir o silêncio, o vazio absoluto que o ajuda a escrever. Pasolini disse que o futebol-poesia o interessava mais do que o futebol-prosa. O jovem Manoel de Oliveira, exímio nadador, se tornou um improvável piloto de Fórmula 1 antes de se dedicar ao cinema. Essas conexões inesperadas ganham forma e materialidade em Judoca.
“Esporte e cinema narram nosso século. Eles são populares, produzem sentido, sonho e drama.” Ao voltar para a infância e lembrar que, como um filme, um judoca se projeta, Thierry Frémaux nos revela como esporte, literatura e cinema estão muito mais intimamente interligados do que poderíamos imaginar.
Caminhar no deserto, olhar as estrelas
Ainda hoje há um país africano colonizado. O Saara Ocidental foi ocupado pelo Marrocos em 1976, depois de quase noventa anos de invasão espanhola, e esteve em guerra por independência até 1991, quando uma missão da onu foi instalada com a promessa de realizar um plebiscito sobre a determinação do país. Os quase 266 mil …
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