Raul Bery responde algumas perguntas sobre o ofício da tradução
Incansável batalhador da literatura brasileira mundo afora, traduziu recentemente o conto “Carne de paca”, de Paulliny Tort, e o livro O que é meu, de José Henrique Bortoluci
Britânico de origem indiana, Rahul Bery é tradutor literário do espanhol e do português para inglês. Além disso, é um incansável batalhador da literatura brasileira mundo afora. Recentemente, ele traduziu o conto “Carne de paca”, do livro Erva brava, de Paulliny Tort, para a revista literária inglesa The White Review, e será também o responsável pela tradução de O que é meu, de José Henrique Bortoluci, para a editora inglesa Fitzcarraldo. Convidamos Rahul para um papo.
O mundo ainda conhece pouco a literatura brasileira? Qual a importância da nossa literatura chegar ao exterior?
R: Sim, com algumas exceções; a Clarice Lispector já é bastante famosa em círculos literários anglófonos (e não se deve esquecer de Paulo Coelho, claro!), mas, além dela, geralmente as pessoas aqui no Reino Unido não leem muitos brasileiros. Acho que por duas razões. Primeiro, porque ao contrário da América hispano-falante, durante o ‘boom’ de literatura latino-americana, nenhum escritor brasileiro ganhou a fama de escritores como Borges, Cortázar, Rulfo, Carpentier, Fuentes etc. Por isso a gente aqui não está consciente de uma tradição brasileira distinta.
Ironicamente, outros elementos da cultura brasileira são muito bem conhecidos, a música e, claro, o futebol. Mas a literatura não. Igualmente, no século 21 não tivemos um Bolaño brasileiro, uma verdadeira sensação literária. Escritores como Michel Laub ou Daniel Galera geram boas resenhas, mas não vendem muitas cópias no exterior. Segundo, porque a gente não sabe muito a respeito da singularidade da tradição brasileira, apesar de não ser surpreendente que um país que é praticamente um continente tenha sua própria tradição. Isso foi a característica da literatura brasileira que originalmente me atraiu. Acho que sem antepassados é difícil entender a literatura de qualquer país, ainda mais um tão enorme e diverso como o Brasil, que existem várias culturas distintas. Felizmente vamos ter traduções novas de dois dos livros clássicos mais importantes: Macunaíma e Grande Sertão: Veredas.
O que mais te marcou no processo de tradução do conto “Carne de paca”?
R: Hmmm, os contos de Paulliny Tort são enganosamente simples; têm a complexidade do conto clássico, de Joyce, Tchékhov etc., mas numa ambientação radicalmente diferente. Então, embora houvesse regionalismos e certas frases difíceis de traduzir – ‘dá cada abóbora que ninguém acredita’ – o problema maior pra mim foi recriar a precisão absoluta da escritura de Paulinny. Desde o tom muito específico da voz do hermético protagonista Joaquim até alguns termos mais técnicos – como descrever um pedaço de tabaco cru ou uma praça numa pequena vila no Sertão em inglês? A linguagem aparentemente simples ia se tornando mais complexa a cada revisão.
O livro O que é meu, de José Henrique Bortoluci, mesmo antes de ser publicado no Brasil já teve os direitos vendidos para dez países. Na sua opinião, o que mais chamou a atenção e despertou o interesse das editoras estrangeiras?
R: Para mim, o livro de Bortoluci revigorou totalmente pelo menos dois gêneros esgotados: a auto-ficção e o “sickness memoir” (gênero muito popular no mundo anglófono). Ao falar sobre seu pai com tanta honestidade, empatia e amor, ele evita as armadilhas potenciais desse tipo de escritura e cria uma narrativa fascinante e absorvente que transcende tais gêneros. Além disso, o livro tem dois pontos muito fortes: a história do Brasil nos anos 70 e, especificamente, a história da Transamazônica. É muito interessante e relevante ao mundo de hoje, e, mais do que qualquer outra coisa, o personagem do sr. José é um fenômeno; qualquer livro com um protagonista assim não pode deixar de entreter!
Que livro brasileiro você ainda gostaria de traduzir um dia?
R: Pergunta muito fácil pra mim! Sombras de reis barbudos, de José J. Veiga e qualquer romance de Campos de Carvalho, sobretudo A Lua vem da Ásia e O Púcaro Búlgaro.

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