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09/01/2023

Ilustrador Eduardo Belga, de Tênebra, desnuda seu processo criativo

#9 

Daniel Johnston tinha fixação pelo número nove, que se ouvia na enigmática Revolution#9 do álbum branco dos Beatles. Quando a Popload Gig me chamou para fazer o pôster para o conserto do Daniel Johnston, resolvi juntar numa mesma imagem tudo que entendia como símbolos recorrentes para o imaginário do cantor, pelo menos do que eu tirei do filme The Devil and Daniel Johnston. A bola do olho, o número nove, fita K7, Gasparzinho, o choro e a queda do avião. Tentei condensar tudo em uma única imagem, e meu desejo era que Daniel a visse. Acho que fiz o desenho mais preocupado com a vista do Daniel do que com o resto do público endereçado. Curiosamente o concerto foi cancelado e remarcado, nunca tive noticia de nada e hoje o homenzinho de Funeral Home e True Love está morto.

Funeral home, funeral home
Going to the funeral home
Got me a coffin shiny and black
I’m goin’ to the funeral and I’m never coming back
Funeral home, funeral home
Going to the funeral home
Got me a coffin shiny and black
I’m goin’ to the funeral and I’m never coming back
Funeral home
Funeral home
(Daniel Johnston, em Funeral Home)

#TÊNEBRA

A Júlia Monteiro me perguntou se poderia fazer neste mesmo raciocínio todas as letras do alfabeto, maiúsculas e minúsculas, para ilustrar a antologia de histórias brasileiras de terror Tênebra. Era uma proposta desafiadora e que levaria tempo, mão de obra, mas sobretudo muita “mão de obra mental”, pois dar aos objetos a forma rígida das letras requer um estado de delírio imaginativo muito bem margeado.

Tive um diagnóstico de rizartrosis nas mãos no ano passado. É um desgaste na articulação do polegar, que tende apenas a progredir com o tempo. Isso me obrigou a dar uma pausa no desenho. As ilustrações para a Tênebra seriam meu primeiro projeto longo de retorno à prancheta.

A equipe me mandou um texto com o imaginário do livro para me dar uma ideia de algumas imagens do terror nacional de época e brasileiro. Digeri isso tudo e adotei uma atmosfera, das minhas visitas aos cemitérios, dos contos populares de terror que ouvia na infância, daquele imaginário assustador da igreja católica, dos santos de gesso carcomidos e torturados, dos corpos pendurados, das bestas folclóricas, do perfuro-cortante e do que é vulnerável à invasão do metal afiado. Depois sugeri de usarmos a fonte original da editora Fósforo como molde para as letras.

Quando sentei para esboçar as primeiras letras, temia que as imagens não apareceriam, que apanharia muito para desenhar, dado este hiato e a complexidade (e o tamanho) da proposta. Mas para minha surpresa, assim que comecei a dar voltas com a lapiseira no papel com as impressões em azul claro das letras, senti-me desbloqueado, deixei fluir o que viesse da imaginação para caber na fonte, vez ou outra quebrando um limite aqui e acolá. Mergulhado neste imaginário proposto, desenhei morcegos, bebês esquartejados, facas, aranhas, jogos, drogas, dentes, perfurações, cortes, defuntos, cemitério… mas como tão bem coloca Victor Hugo em seu Prefácio para Cromwell, tudo precisa de um descanso, nem que seja para reforçar, então tivemos também momentos mais leves, cutâneos, cômicos e florais.

Aqui se fez valer um método de desenho na qual investi todo meu aprendizado: o desenho de imaginação. O desenho de observação serve para aumentar o vocabulário visual, o qual se rende para o desenho de imaginação, que é feito depois sozinho com o papel vazio. Isso direciona o modo de perceber o mundo, pois deve-se olhar para as pessoas, bichos e coisas de modo a entendê-los e armazená-los na memória. Essa memória por sua vez sofre com a corrosão estilística da minha pessoalidade, ao que podemos chamar de IN – Inteligência natural. Todas as capitulares foram feitas sem qualquer uso de referência visual para além da forma das letras.

Para fazer a arte final usei uma caneta que permite uma linha modular combinando com a linearidade da fonte no texto do livro. Tudo foi depois disposto cuidadosamente pela Flávia Castanheira, que fez, dentre várias peças maravilhosas, a edição do Esopo que está recorrentemente nas minhas mãos.

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